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Como você faz a krigagem de dados de ouro?

Os dados de ouro se caracterizam por apresentarem uma distribuição lognormal, que pode ser especificada pela grande ocorrência de valores baixos e uns poucos valores altos a muito altos.

Esta característica representa um grande problema na avaliação de recursos de ouro, pois os poucos valores altos podem afetar na estimativa de regiões de baixos valores. Esta influência deve ser evitada, pois pode aumentar significativamente os teores estimados.

O que fazer?

A solução natural seria a krigagem lognormal, que consiste na transformação logarítmica dos dados e, em seguida, todo o processo da krigagem ordinária para os dados transformados.

Entretanto, esta solução esbarra em uma dificuldade adicional, que consiste na transformada reversa das estimativas para a escala original de medida dos dados. Assim, a solução adotada se baseia na krigagem direta dos teores de ouro, após a aplicação de “capping”, que significa truncar a distribuição de frequências a partir de um valor máximo escolhido.

Antes de prosseguir com o desenvolvimento do “capping”, seria interessante considerar as observações feitas por Krige (1951) em sua tese de mestrado apresentada à Universidade de Witwatersrand.

O que são teores anômalos ou outliers?

Segundo o autor supracitado, é preciso levar em consideração que na distribuição lognormal de ouro, os valores individuais das amostras representam somente uns poucos valores conhecidos de um número virtualmente infinito de valores que podem ser obtidos por amostragem repetida.

Os poucos valores conhecidos estão distribuídos sobre o intervalo de variação, na mesma proporção como o número de valores possíveis, de tal modo que a média desses poucos valores irão corresponder de perto à média de todas as amostras possíveis.

Na prática, alguns dos valores relativamente altos na população (depósito de ouro) serão amostrados e poderão aparecer como discordantes do restante dos valores amostrais, que são responsáveis por aumentar a média para um valor anormalmente alto. Segundo esse autor, tais valores são geralmente considerados como anômalos ou resultados de má amostragem e são geralmente cortados ou ajustados por métodos arbitrários para produzir uma média mais confiável.

Como se pode verificar, a prática de truncar a distribuição de frequências amostral é antiga, pois esta tese data de 1951. Entretanto, tais valores anômalos são membros genuínos da população de valores do depósito de ouro e, portanto, não podem ser considerados anômalos.

Assim, de acordo com Krige, a aproximação correta para a estimativa do valor médio verdadeiro de uma população desconhecida a partir dos valores amostrais, poderia ser obtida pelo preenchimento dos vazios entre os valores conhecidos, de tal modo que se tenha a melhor estimativa da distribuição de valores, sem o descarte ou corte (“capping”) de quaisquer valores que possam ser considerados anômalos.

Tendo em vista tais observações, pode-se fazer a seguinte pergunta: existem outliers em depósitos de ouro?

O que é “capping”?

Esse procedimento é adotado para limitar a influência dos altos teores na avaliação de recursos minerais, como menciona Abzalov (2016). Esse autor também diz que os limiares para truncar os altos teores são estimados estatisticamente para cada domínio mineralizado, que podem ser definidos como:

  • O valor correspondente a 95% da distribuição de frequências;
  • A média mais duas vezes o desvio padrão;
  • O valor igual a quatro vezes a média;
  • O valor onde a cauda do histograma torna-se irregular.

Para ilustrar o capping, considere-se um conjunto de pontos de dados com uma distribuição lognormal, como na imagem abaixo.

Distribuição dos pontos de dados e histograma mostrando a forte assimetria positiva característica de uma distribuição lognormal.

 

Tomando como valor máximo igual a 6,548, a distribuição original de frequências é truncada a partir deste valor, conforme abaixo:

Processo de truncamento dos valores altos por “capping”.

Aplicando-se o “capping” igual a 6,548, pode-se verificar o efeito em termos da distribuição de frequências, como mostram os histogramas da imagem abaixo:

Em termos práticos, a distribuição continua com assimetria positiva, mas o histograma truncado aparece mais regular, que pode ser confirmado pelas estatísticas descritivas das duas distribuições (antes e após o “capping”), como na tabela a seguir:

Estatísticas descritivas do conjunto de pontos de dados, antes e após aplicação do “capping”.

A simples aplicação de um valor máximo truncando à distribuição de frequências implicou em uma redução da média (de 1,690 para 1,482), acompanhada da redução da dispersão, onde o desvio padrão passou de 2,453 para 1,486.

Isso trata-se de uma redução significativa da dispersão, mas a distribuição de frequências continua assimétrica positiva.

A krigagem direta dos teores de ouro é possível. Mesmo assim, como a distribuição de frequências ainda continua assimétrica, a krigagem lognormal é recomendada.

Conclusões

A aplicação de “capping” permite reduzir a dispersão amostral, que permitira fazer a krigagem direta dos teores de ouro. Entretanto, deve-se considerar que os valores máximos truncados são reais e que valores ainda maiores são passíveis de serem amostrados ou observados durante o desenvolvimento da lavra.

No próximo artigo, trataremos da krigagem lognormal, que é a técnica indicada para dados que apresentem forte distribuição assimétrica. O grande problema desta técnica está na transformada reversa que é enviesada em relação à distribuição amostral, fazendo com que a média das estimativas seja muito diferente da média amostral.

Assim, iremos apresentar uma nova proposta que se baseia no novo programa Geokrigagem, denominado GKY.

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Geo102: Avaliação e classificação de recursos e reservas minerais. Período 11 a 15 de fevereiro de 2019.

 

Referências bibliográficas

Abzalov, M. 2016. Applied mining geology. Switzerland, Springer. 448p.

Krige, D.G. 1951. A statistical approach to some mine valuation and allied problems on the Witwatersrand. M. Sc. Thesis presented to the University of Witwatersrand. 136p.

Escrito por Jorge Kazuo Yamamoto

Prof. Dr. Jorge Kazuo Yamamoto, fundador da Geokrigagem, é geólogo, foi pesquisador do IPT e docente do Instituto de Geociências da USP, onde se aposentou como Professor Titular do Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental. Atualmente, atua como Professor Sênior do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo – Escola Politécnica – USP. É responsável pela disciplina “Métodos geoestatísticos” na Pós-Graduação do IPT – Investigação do subsolo: Geotecnia e Meio Ambiente. Dedica-se ao ensino de geoestatística, com ênfase no desenvolvimento de algoritmos e pesquisa de novas aplicações, tais como: variância de interpolação, cálculo da variância global de depósitos minerais e correção do efeito de suavização da krigagem. Ultimamente, seu interesse está voltado para o ensino e divulgação da linguagem R.

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