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Como você faz a krigagem de dados de ouro? (parte 2)

Como vimos no post anterior (Como você fazer a krigagem de dados de ouro – parte 1), é característica dos dados de ouro se apresentarem em uma distribuição lognormal, tendo pouca ocorrência de valores altos e muitos altos, mas apresentam uma grande ocorrência de valores baixos.

E para dar sequência, vamos nos aprofundar um pouco mais nesse tema.

Transformada não enviesada da krigagem lognormal

A krigagem lognormal é uma técnica adotada para a estimativa de dados que apresentam uma forte distribuição assimétrica, que pode ser aproximada por um modelo de distribuição lognormal (metais raros, como ouro, platina etc.). Já a krigagem ordinária de dados com distribuição lognormal apresenta o problema da influência dos poucos valores altos a muito altos que se propagam em torno da vizinhança de locais não amostrados.

Os valores altos combinados com a ocorrência de pesos negativos podem resultar em estimativas negativas, que não são possíveis, quando se trata de teores.

Estimativas negativas podem ser evitadas?

Podem, caso os pesos negativos forem eliminados. Entretanto, nem todos os programas de krigagem ordinária têm o procedimento para eliminação de pesos negativos.

Por quais motivos ela foi proposta?

A krigagem lognormal foi proposta como alternativa à krigagem direta de dados com distribuição lognormal. Toda a geoestatística é conduzida com os dados transformados no domínio logarítmico, ou seja, modelagem do variograma e estimativa dos pontos não amostrados. Uma vez obtida a estimativa em um ponto não amostrado, deve-se fazer a transformada reversa para a escala original de medida dos dados. Pode-se fazer simplesmente a exponenciação direta como função inversa da logarítmica, como:

Podemos observar na seguinte imagem, o processo da krigagem lognormal com a transformada reversa por exponenciação direta.

Processo da krigagem lognormal fazendo a transforma reversa direta.

 

Geralmente, os programas usam este procedimento, mas, o resultado irá apresentar um grande viés, pois não considera um termo de correção e muito menos o efeito de suavização da krigagem ordinária. Journel (1980, p. 296) propôs o termo de correção baseado na variância de krigagem, conforme vemos a seguir:

O termo de correção é igual à metade da variância de krigagem menos o multiplicador de Lagrange (µ). O grande problema está no emprego da variância de krigagem, que, segundo Rossi e Deutsch (2014, p. 218), não tem nenhum significado físico ou geológico. Entretanto, a adição deste termo não é suficiente, pois não considerou o efeito de suavização da krigagem ordinária. Este é a questão central em qualquer estimativa resultante da krigagem ordinária. Cabe ressaltar que Journel e Huijbregts (1978, p. 572) afirmam que  pode diferir consideravelmente da média dos dados originais .

Uma solução proposta por Yamamoto (2007), baseada na variância de interpolação, permite obter transformadas reversas não enviesadas. Detalhes dessa solução podem ser verificados no trabalho mencionado.

Dados amostrais

Para esta demonstração, considere-se uma amostra composta por 100 pontos de dados com uma distribuição lognormal, como podemos verificar na imagem abaixo. Trata-se de uma distribuição fortemente assimétrica, cujo coeficiente de variação é igual a 1,452. Portanto, este é o caso ideal para a aplicação da krigagem lognormal. Observe-se que os valores dos pontos foram classificados em escala aritmética, motivo pelo qual a maioria dos pontos se encontra nas classes inferiores.

Mapa de localização dos pontos amostrais (A) e distribuição de frequências da variável de interesse (B).

Nova solução: Correção da suavização na GKY

Considerando que os resultados da krigagem ordinária sempre estarão suavizados, independente da transformação de dados, a correção das estimativas antes da transformada reversa garante valores não enviesados em relação à distribuição amostral.

De que maneira corrige-se a suavização?

Faz-se tal correção por meio do programa GKY, que trabalha compatibilizando as distribuições de frequências acumuladas. Assim, a nova solução pode ser vista esquematicamente na imagem abaixo:

Sequência de processamentos para a krigagem lognormal não enviesada.

Desta forma,  para o caso da transformada logarítmica, a exponenciação é feita somente após a correção do efeito de suavização, por meio da compatibilização das distribuições de frequências. Podemos observar os resultados de tal transformação na seguinte imagem:

Saída gráfica do programa GKY para compatibilização da distribuição de frequências das estimativas lognormais (verde) em relação à distribuição de frequências dos dados amostrais (vermelho), o resultado está representado em azul, onde há uma aderência perfeita das distribuições de frequências.

 

Nesta figura, pode-se observar que a transformação é quase linear, como mostram os gráficos à direita (PP-plot, QQ-plot e scatterplot), onde o PP-plot apresenta a compatibilização das distribuições de frequências (estimada em relação à amostral). Agora, os dados corrigidos são submetidos à exponenciação para obtenção da transformada reversa para a escala original dos dados amostrais, que podem ser comparados diretamente com a distribuição amostral (tabela e imagem abaixo).

Comparando-se as médias da Tabela 1, verifica-se que o erro da transformada corrigida é de apenas 1,48%, que pode ser considerado muito bom, pois a distribuição é lognormal com um coeficiente de variação maior que 1,45. Por outro lado, o erro da transformada direta em relação à distribuição amostral é de 24,32%, que reflete a grande diferença entre as médias analisadas. Isso confirma a questão levantada por Journel e Huijbregts (1978, p. 572) em relação à grande diferença entre as médias. Cabe salientar que, na maioria dos programas comerciais, a transformação reversa é feita por exponenciação direta das estimativas lognormais.

Podemos observar na figura 5 uma aderência excelente da distribuição das estimativas transformadas para a escala original dos dados em relação à distribuição amostral. Tal resultado é impressionante, pois a compatibilização das distribuições foi feita anteriormente no domínio logarítmico.

A transformação direta (exponenciação das estimativas em escala logarítmica) não proporciona valores condizentes com a realidade amostral. A média e desvio padrão são muito diferentes das estatísticas amostrais correspondentes. Portanto, não se pode usar este procedimento com o risco de se fazer uma subavaliação dos recursos minerais.

 

Estatísticas descritivas da distribuição amostral e da distribuição das transformadas reversas da krigagem lognormal.

 

Distribuições de frequências acumuladas: dados originais (vermelho) e dados após transformada direta (verde) e dados após transformada reversa dos dados corrigidos (azul).

 

Vamos conferir na imagem a seguir, os resultados das estimativas lognormais após as transformações direta e corrigida no GKY:

Transformada reversa direta das estimativas lognormais à esquerda; e a mesma após a correção das estimativas lognormais no GKY à direita. Representação em escala aritmética.

 

A figura acima, à direita, mostra claramente o efeito da correção, ressaltando as regiões de baixos e altos valores, em relação à transformada direta mostrada na Figura 6A.

De que forma é feita a melhor representação de valores com distribuição lognormal?

É realizada na escala logarítmica, como se pode verificar na imagem a seguir:

Transformada reversa direta das estimativas lognormais à esquerda e a mesma após a correção das estimativas lognormais no GKY à direita. Representação em escala logarítmica

Como surgem  as diferenças?

As diferenças surgem quando se usa a escala logarítmica. Além disso, ficam mais evidentes as regiões de altos e baixos valores.

Supondo que os valores estimados sejam de ouro em um painel, pode-se fazer um exercício se determinando as curvas teor X tonelagem (Figura 8). Considerando que foram estimados blocos de 2 X 2 X 1 metros, os recursos de ouro foram obtidos se multiplicando o teor (ppm) pelo volume de 4 m3 e pela densidade igual a 2,6 t/m3. Para esse exercício, foram considerados tanto o teor obtido por exponenciação direta, como o teor resultante da compatibilização estatística das distribuições no domínio logarítmico e depois fazendo a exponenciação.

Curvas teor X tonelagem para teores e tonelagens obtidos por exponenciação direta (traços finos) e aqueles resultantes do processo de compatibilização estatística no GKY (traços grossos).

 

O impacto da correção é enorme, pois os recursos de ouro são corrigidos substancialmente para cima. É notável que o teor médio para a exponenciação direta chega no máximo a 12 g/t, enquanto o mesmo para os teores obtidos por exponenciação após correção alcança as 16 g/t. Na realidade, as curvas refletem a grande diferença entre os teores médios: 1,279 para exponenciação direta e 1,715 para exponenciação após correção no GKY, em relação ao teor médio amostral de 1,690. Evidentemente, sabe-se que o teor médio de 1,279 está muito aquém do teor médio amostral e, consequentemente, os recursos serão muito inferiores.

Esta metodologia precisa ser testada e validada em jazidas de ouro que estejam em processo de lavra para comparação das estimativas com os valores realizados.

 

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Referências bibliográficas

Journel, A.G. 1980. The lognormal approach to predicting local distributions of selective mining unit grades. Math. Geol., v. 12, p. 285-303.

Journel, A.G.; Huijbregts, C.J. 1978. Mining geostatistics. London, Academic Press. 600p.

Rossi, M.; Deutsch, C.V. 2014. Mineral resource estimation. Dordrecht, Springer. 332p.

Yamamoto, J.K. 2007. On unbiased back transform of lognormal kriging estimates. Comput. Geosci., v. 11, p. 219-234.

 

 

 

Escrito por Jorge Kazuo Yamamoto

Prof. Dr. Jorge Kazuo Yamamoto, fundador da Geokrigagem, é geólogo, foi pesquisador do IPT e docente do Instituto de Geociências da USP, onde se aposentou como Professor Titular do Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental. Atualmente, atua como Professor Sênior do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo – Escola Politécnica – USP. É responsável pela disciplina “Métodos geoestatísticos” na Pós-Graduação do IPT – Investigação do subsolo: Geotecnia e Meio Ambiente. Dedica-se ao ensino de geoestatística, com ênfase no desenvolvimento de algoritmos e pesquisa de novas aplicações, tais como: variância de interpolação, cálculo da variância global de depósitos minerais e correção do efeito de suavização da krigagem. Ultimamente, seu interesse está voltado para o ensino e divulgação da linguagem R.

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